Foto: Vinicius Becker (Diário)
Aneli Camponogara Tonetto coordena a capela há oito anos
A cozinha recém-reformada está parada. As churrasqueiras não foram acesas uma única vez neste ano. Mesas e cadeiras estão empilhadas e empoeiradas no canto do salão vazio. Assim está o espaço da capela São Sebastião, na comunidade rural que leva o mesmo nome, em Santa Maria. Acostumado a receber centenas de pessoas em festas animadas com comida, música e oração, o local agora vive um ano silencioso.
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— Esse ano, para nós, foi um ano praticamente de luto na religião. A nossa fé continua, mas a maneira que o nosso bispo, arcebispo conduziu… Ele nos deu uma facada no coração. Ele não matou com arma. Ele nos matou diferente: pela mágoa, pelo desprezo. Ele teve um desprezo muito grande com as pessoas que uma vida toda lutaram para manter a fé dentro de uma comunidade — desabafa Aneli Camponogara Tonetto, 70 anos, coordenadora da capela.

A decisão paralisou as festas, entristeceu os idosos e prejudicou o financeiro
A mágoa é consequência direta das regras impostas pela Arquidiocese de Santa Maria, que proibiram a realização de festas com venda de bebida alcoólica e bailes dançantes em comunidades católicas durante o Ano Jubilar. Com isso, eventos como o Dia das Mães, o Dia dos Pais e o Réveillon, que, antes, reuniam mais de 400 pessoas na capela São Sebastião, deixaram de acontecer. Cada uma dessas festas costumavam garantir uma renda de cerca de R$ 12 mil, valor essencial para a manutenção da comunidade.
Segundo ela, nenhum evento havia registrado problema nos anos anteriores. Além disso, a música que embalava as noites era tradicionalista, sem melodias pejorativas.
— Nós pesquisamos para fazer a festa de maio, mas a gente viu que ia ser mais custo do que lucro. A gente ia fazer uma festa com 30, 40 pessoas onde sempre teve 400. A queda foi total. Nós não temos mais como manter a capela. A gente pagou até maio a taxa de R$ 415 por mês para paróquia com o que sobrou da reserva do ano passado. Agora, não temos mais de onde tirar. Estamos quietinhos - afirma ela.
A falta de festas também afetou diretamente o público idoso. Aneli lembra com carinho dos anos anteriores, quando liderava o grupo Caravana da Alegria e organizava eventos que lotavam o salão da capela.
— Hoje, tu vais num CTG ou num clube está sempre cheio. Mas as comunidades perderam, porque era aqui o local de convivência, onde se confraternizava. Era o abraço, o carinho, o sorriso em cada rosto. O idoso se ajeitava, alegrava-se, abraçava-se. Agora, muita gente perdeu até o motivo de viver. Hoje, o pessoal repensou, houve um abandono total no salão das capelas – relata Aneli.

Mágoa
Além do choque com a medida, ela diz que palavras ditas pelo arcebispo aumentaram ainda mais o sentimento de indignação.
— Ele chegou a dizer que os idosos eram safados, que iam nas festas para se embriagar. Tu imaginas o que é ouvir isso, depois de tudo que tu construiu em uma comunidade? A maneira que ele conduziu tudo nos deixou arrasados. Ele (dom Leomar) assumiu um cargo que não estava preparado. O nosso arcebispo assumiu farda, mas a mente dele não estava preparada – diz a representante da comunidade.
A capela pertence à Paróquia Nossa Senhora da Glória, Bairro Camobi. A origem do templo, no entanto, é anterior, aos tempos da construção da estrada de ferro, quando trabalhadores vindos do Rio de Janeiro trouxeram a devoção a São Sebastião. Com o tempo, a comunidade local, formada, principalmente, por descendentes de imigrantes italianos, ergueu a igreja.
Foi essa história de fé e de convivência comunitária que, segundo ela, foi abalada pela medida.
— A maneira que ele conduziu deixou nós arrasados. Tu olhas e parece que tu não tens mais motivação. As pinturas estão caindo, a coisa está tá feia.
No lugar das festas, restou apenas uma missa por mês, realizada na segunda sexta-feira, às 19h.
— Vêm no máximo 15 ou 20 pessoas. É tudo idoso. Tem dia que nem vem ninguém — conta Aneli
Segundo ela, a expectativa agora é que o Ano Jubilar acabe.
— O nosso sentimento é esse: que o ano passe logo. Que o nosso bispo repense. Que no 31 de dezembro, a gente possa estar vibrando. Com aquele réveillon do abraço, com a alegria de uma música, com a alegria das famílias unidas.

Medida foi aprovada por unanimidade e segue até dezembro em respeito ao Ano Jubilar de 2025
A norma que proíbe festas com venda de bebidas alcoólicas e bailes dançantes em espaços ligados à Igreja Católica foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Arquidiocesano de Pastoral em 19 de outubro de 2024. A medida passou a valer no dia 29 de dezembro, durante a abertura oficial do Ano Jubilar na Catedral Metropolitana de Santa Maria e seguirá em vigor até 28 de dezembro de 2025.
Na época, dom Leomar Brustolin explicou que a decisão seguiu orientações do papa Francisco para o Jubileu da Esperança, um evento que marca os 2025 anos da era cristã e que, segundo bula papal Spes non confundit ("a esperança não engana"), convida os fiéis a viverem um período de espiritualidade, reconciliação e indulgências.
— O contexto é o grande Jubileu de 2025, quando nós celebraremos 2025 anos da era Cristã. Papa Francisco, numa bula chamada Spes non confundit, que quer dizer “a esperança não engana”, pede que o ano que vem seja o ano da esperança. Além disso, também tem o Jubileu, que vem com as indulgências, e para isso, o papa fez uma série de medidas. E nós, da arquidiocese, seguimos o papa, especialmente para que o povo possa entender esse momento histórico — explicou o arcebispo, em entrevista concedida em dezembro de 2024.
A decisão, no entanto, provocou repercussões já nas primeiras semanas. Vídeos gravados durante celebrações religiosas circularam nas redes sociais, em especial trechos em que dom Leomar critica a realização de festas com “música bagaceira” e o consumo excessivo de álcool, por considerar que esse tipo de atividade não condiz com os valores da fé católica.